QUEM É
Brian Fagan, professor aposentado de Arqueologia da Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara
O QUE PUBLICOU
São mais de 20 livros, entre eles Floods, Famines, and Emperors – El Niño and the Fate of Civilizations (Enchentes,Fome e Imperadores, 1999), The Little Ice Age – The Prelude to Global Warming 1300-1850 (A Pequena Era do Gelo, 2000) e The Long Summer – How Climate Changed Civilization (O Longo Verão – Como o Clima Mudou a Civilização, 2004)
Para o arqueólogo inglês Brian Fagan, de 71 anos, o aquecimento global é uma notícia velha. Muito velha. Em seu mais recente livro, ele analisa os efeitos do aumento das temperaturas no planeta que ocorreu há 1.200 anos. Não foi um desastre global. Por causa do aquecimento, os vikings descobriram a América, diz Fagan em The Great Warming – Climate Change and the Rise and Fall of Civilizations (O Grande Aquecimento, 2008). Também houve perdedores. Os maias enfrentaram secas, assim como o império Khmer. E os franceses, bem, basta dizer que eles andaram tomando vinho feito na Inglaterra. Segundo Fagan, estudar o passado pode nos ajudar a enfrentar a ameaça do aquecimento global de agora.
ÉPOCA – Como foi o “grande aquecimento” do título de seu livro?
Brian Fagan – Entre os anos 800 e 1300, o clima mundial era um pouco mais quente que hoje. Os efeitos desse aquecimento variaram de acordo com a região, afetando as sociedades de modo diferente. Na Europa, a época do plantio se expandiu em um mês. Plantavam-se cereais na Noruega e videiras na Inglaterra. A colheita era tão grande que eles exportavam vinho para a França. Os franceses se queixavam de que os ingleses estavam inundando o mercado de vinho. Maiores colheitas levaram a um aumento da população, acompanhado por mais guerras e pela expansão das cidades. Seguiu-se o florescimento da cultura e das artes, com a construção das catedrais. Para a Europa, foi uma época de prosperidade. Por outro lado, os vikings não possuíam terras férteis. Todo verão, enviavam navios para saquear a Inglaterra e o sul da Europa. Como eram grandes navegadores, se aventuraram no Atlântico até povoar a Islândia e atingir a Groenlândia e a América do Norte. Mas suas navegações só foram possíveis graças ao aquecimento do clima, que deslocou os icebergs para o norte e tornou a travessia menos perigosa. Quando o clima global voltou a resfriar, a partir de 1200, as condições pioraram e as viagens chegaram ao fim.
ÉPOCA – Quais as conseqüências daquele aquecimento no resto do mundo?
Fagan – Longe da Europa, outras sociedades sofreram. Houve uma enorme seca, causada pelas altas temperaturas e por um longo período do fenômeno La Niña (o resfriamento das águas do Pacífico). Os maias da Península do Yucatán foram muito afetados. A partir do século X, foram assolados por uma série de secas que duravam até 50 anos. Foi um dos fatores que causaram o colapso da civilização maia no México, em Honduras e na Guatemala.
ÉPOCA – O mesmo aconteceu com os pueblos no deserto americano e com o império Khmer, no Camboja?
Fagan – Sim, as secas foram motivo para o abandono dos pueblos do sudoeste dos Estados Unidos. Com relação ao Khmer e ao declínio a partir do século XIII de sua capital, Angkor Wat, esse é um problema que só agora começa a ser elucidado. As magníficas ruínas de Angkor Wat são estudadas há um século, mas só recentemente os arqueólogos começaram a se questionar como aquele povo sobrevivia. Assumia-se que a cidade tinha água suficiente, pois depois de abandonada foi coberta por floresta tropical. Mas se descobriu que Angkor Wat era vulnerável à seca, problema ligado às monções, a estação das chuvas do Oceano Índico. Vou dar um exemplo. No século XIX, uma série de El Niños (o aquecimento das águas do Pacífico, o oposto do La Niña) causou uma interrupção nas monções, provocando seca e a morte de 20 milhões a 30 milhões de pessoas na Índia e na China.
ÉPOCA – O aquecimento da Terra favoreceu no século XIII a formação do império mongol, o maior que já existiu?
Fagan – Sim. Em lugares semi-áridos como as estepes da Mongólia e da Ásia Central, bastam alguns milímetros a mais de chuva para aumentar a área de pastagem e o tamanho dos rebanhos. Os mongóis eram nômades que viviam do pastoreio e da criação de cavalos. Como o gado precisa de água a cada 24 horas, era crítico ir aonde havia pasto e água. Gênghis Khan era um general brilhante, mas só se tornou o maior conquistador da História porque contou com áreas de pastagem para sua cavalaria. As evidências climáticas a respeito das estepes ainda são poucas, mas permitem afirmar que o aumento das pastagens coincidiu com a expansão mongol.
ÉPOCA – Como se investiga o clima do passado?
Fagan – Aconteceu uma revolução nos estudos climáticos nos últimos 15 anos. Os dados são colhidos a partir da análise do gelo da Antártica e da Groenlândia. Esse gelo preserva amostras da atmosfera de quando ele se formou. Já temos registros de 400 mil anos. Outro exemplo é o estudo dos anéis de crescimento no tronco das árvores. Eles servem para datar verões mais quentes e úmidos e invernos mais frios e secos. Também se pesquisam pólen e sementes no fundo de lagos para saber como era a vegetação de uma região e deduzir seu regime de chuvas e a variação de temperatura.
"O Nordeste do Brasil sofre com secas crônicas. Quais são as políticas para a região numa era de secas mais prolongadas?"
ÉPOCA – Um estudo divulgado há 20 dias reforçou a tese de que nossa espécie quase se extinguiu na África há 70 mil anos. A humanidade se reduziu a 2 mil pessoas. Outra pesquisa com o sedimento do Lago Tanganica mostra que, naquele período, a região sofreu megassecas. Há ligação?
Fagan – Do ponto de vista antropológico, está claro que o período de 70 mil anos atrás foi muito importante para o desenvolvimento humano. Mas não se conhecia até hoje o papel desempenhado pelas mudanças climáticas. Se aquelas secas foram de fato tão grandes, elas forçaram as populações humanas a migrar em busca de água. Na mesma época e do outro lado do mundo, em Sumatra, aconteceu a supererupção do Vulcão Toba. Ela afetou o clima do planeta e cobriu o Sudoeste Asiático e a Índia com metros de cinza. Os efeitos da erupção podem ter sido maiores para os humanos que a seca africana.
ÉPOCA – Por que estudar a história do clima?
Fagan – O aquecimento global e as alterações climáticas de hoje são de um tipo novo. São causados pela ação do homem. Mas nós tivemos de nos adaptar a mudanças no clima por centenas de milhares de anos. Sobrevivemos por 1,5 milhão de anos à idade do gelo. Os últimos 10 mil anos foram os mais estáveis em termos climáticos dos últimos 750 mil anos. O que me surpreende é ver tantos especialistas falando sobre as mudanças atuais sem olhar para a História. Não percebem quão vulneráveis nós somos em comparação a um império de 500 anos atrás. Somos mais frágeis porque nunca existiram tantos seres humanos e porque vivemos em cidades numa civilização industrial. Os efeitos do clima atingem bilhões de pessoas. Estudar o clima passado é saber como outros povos se adaptaram às mudanças. É obter pistas sobre o que fazer no futuro.
ÉPOCA – Como será nosso futuro?
Fagan – Acho que vamos nos sair bem. Pode-se falar quanto quiser sobre como reduzir a produção de gases do efeito estufa. Esse é um projeto de longo prazo. Falta discutir como criar meios para conviver com temperaturas mais elevadas. Os níveis dos mares estão subindo. Onde vamos colocar as populações que vão perder suas casas? O Nordeste brasileiro sofre com secas crônicas. Quais as políticas para lidar com a população da região numa era de secas mais prolongadas?
Fonte:
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI4361-15295,00.html
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