Pesquisar este blog

Entrevista de cidadania

foto de Débora Fahur





Débora - A palavra cidadania está ligada ao direito da pessoa em relação a sociedade em que vive. O exercício da cidadania por sua vez, está relacionado ao comportamento de intervir na realidade, empoderando-se do direito de modificar estruturas visando o bem comum. Ser cidadão, portanto, é o direito de intervir na realidade onde se vive.

Qual o papel da igreja na formação de cidadãos?

Débora - A igreja tem um papel importantíssimo na formação da consciência de que o cristão deve exercer cidadania em todas as esferas onde se encontra, implantando princípios do Reino de Deus na terra, conforme descrito na Bíblia: “...o Reino de Deus é justiça, paz e alegria...” (Romanos 14:17).

As igrejas têm feito a diferença neste sentido?


Débora - Infelizmente acredito que as igrejas ainda não se deram conta do poder de transformação que podem exercer no bairro ou comunidade onde estão inseridas. Recentemente, estivemos participando através do Vale da Benção de uma audiência pública que visava o conveniamento de ONG´s com a prefeitura municipal de São Paulo para atendimento de famílias que vivem em situação de vulnerabilidade social. Dos trinta participantes, somente dois eram representantes de igrejas evangélicas; os outros 28 participantes representavam ações da igreja católica nas comunidades. Precisamos de mais consciência e muito trabalho neste sentido.

A responsabilidade social já é uma realidade nas nossas igrejas?
Débora - Não, mas estamos no caminho. Existem denominações e igrejas locais com capacidade de refletir e agir com objetivos claros e definidos neste sentido, que estão fazendo trabalhos belíssimos de intervenção na sociedade. Porém, há ainda um número muito grande de igrejas e denominações totalmente alheias às necessidades sociais e à forma de agir no enfrentamento a pobreza e da miséria.

Você poderia mencionar experiências de ação social bem-sucedidas no contexto das igrejas evangélicas?
Débora - A Igreja Batista de Bultrins, situada na Vila Esperança, periferia de Olinda, mais conhecida como a igreja sem portas e janelas. Uma igreja aberta 24 horas, que não fecha suas portas porque não tem portas para fechar, que não tranca suas janelas porque não tem janelas. De fato, a igreja teve que fazer a opção: ou enviavam seis candidatos para o seminário ou colocavam as portas e janelas no prédio. A Assembléia optou pelo mais sensato, enviaram os vocacionados. Anos se passaram e as portas e janelas nunca foram colocadas. Terminaram as instalações hidráulicas e elétricas, compraram cadeiras, instrumentos de som, mas nada de portas e janelas. Uma relação diferenciada foi estabelecida entre a igreja e os moradores da região. Com as portas abertas 24 horas, moradores de rua passaram a dormir no templo. Famílias de sem-teto agora tinham um canto para se abrigar do frio e das chuvas. Passaram a servir o sopão aos mais carentes nas noites de segunda-feira. Os garis que cuidavam da limpeza da região agora tinham uma sombra boa para o almoço e a rápida sesta. E assim a comunidade ao redor se abriu para a igreja porque a igreja se abriu, ou melhor, não se fechou, para a comunidade.

Uma outra experiência se deu na Igreja Batista em Campinas, quando realizaram o Dia da Cidadania, voltado para a comunidade carente e em situação de vulnerabilidade social do entorno da igreja. O projeto foi desenvolvido por uma equipe de voluntários multiprofissionais na área da saúde, assistência jurídica, estética, entretenimentos com as crianças e apresentação de Hip Hop, teatro e pirofagia! O projeto aborda a importância da arte, cultura e lazer na periferia.

Na prática, qual a relação de ação social com caridade? O conceito de “fazer caridade” ainda prevalece na visão das igrejas?

Débora - Sim, como na maioria das empresas e na mente das pessoas que desejam se envolver em práticas sociais, mas o que de fato precisamos estar alertas é que devemos perceber a pessoa que se encontra em situação de vulnerabilidade social como pessoa humana, com recursos internos que podem ser utilizados a seu próprio favor. Neste sentido, precisamos acreditar numa ação transformadora que não gera dependência, mas pelo contrário, gera pessoas capazes de desenhar sua própria história, objetivando seu desenvolvimento integral e possibilitando que se tornem agentes transformadores de sua história e da sociedade.

Como você avalia a evolução da visão diaconal nas igrejas evangélicas?
Débora - A prática diaconal na igreja talvez seja o sinal mais evidente de que a igreja tem capacidade para responder ao mandamento bíblico em relação ao acolhimento e o cuidado ao necessitado. Portanto, a prática diaconal na igreja deve continuar. Mas hoje, devido a grande necessidade, é preciso que a igreja tome uma posição mais ousada de investimento integral na pessoa, visando a transformação espiritual e social.

Com base na experiência acumulada com mais de 20 anos de Vale da Benção, o que você poderia dizer a pastores e líderes que buscam uma visão atualizada e contextualizada para a ação social de suas igrejas?

Débora - Este é o momento da igreja evangélica discutir caminhos alternativos para servir a comunidade, atender ao clamor do pobre e do marginalizado. Existem ferramentas e recursos à disposição de quem quer efetivamente se engajar nesta área. Se a igreja ficar fora desta ação, será obsoleta na perspectiva de ser a igreja a protagonista da manifestação e experiência do Reino de Deus na sociedade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário